Autor: Ira!
Ano de lançamento: 1986
Produtor: Pena Schmidt
Editora: WEA (Warner Music Brasil)
Lançado em 25 de agosto de 1986, “Vivendo e Não Aprendendo” é o segundo disco do Ira!, aquela banda paulistana que parece ter nascido com o pé no acelerador e o coração na Marginal Tietê. Sob a batuta do produtor Pena Schmidt, o álbum é um grito de rock brasileiro com sotaque de São Paulo – barulhento, urgente e com uma energia que faz você querer pular num fusca e sair cantando pela Avenida Paulista. Não é à toa que esse LP virou um clássico: ele mistura a rebeldia punk com melodias pop que grudam na cabeça como chiclete no asfalto quente, tudo isso enquanto o Brasil tentava se levantar da ressaca da ditadura.
É a juventude urbana em ebulição – um misto de amor, desilusão e aquela sensação de correr atrás do vento numa cidade que nunca dorme. As letras do vocalista Nasi e as guitarras afiadas de Edgard Scandurra pintam um retrato de São Paulo como um personagem vivo: caótico, sedutor e um tanto cruel. É o som de quem vive intensamente mas não aprende com os tombos – um título que parece um lema tatuado na alma de qualquer roqueiro dos anos 80 que já perdeu o ônibus na Avenida São João às 3 da manhã.
São dez faixas que vão do romantismo torto de “Flores em Você” ao desabafo existencial de “Envelheço na Cidade”. O Ira! pega o ouvinte pelo colarinho e o arrasta por uma São Paulo de concreto e neon, com paradas em bares esfumaçados e brigas de amor que terminam em refrões catárticos. A produção de Pena Schmidt dá um polimento ao som cru do primeiro álbum, “Mudança de Comportamento”, mas sem tirar o soco na cara que o punk trouxe pra banda. É como se o Ira! tivesse aprendido a correr mais rápido, mas ainda tropeçasse nas próprias pernas – adoravelmente, claro.
O Brasil estava saindo da ditadura, o rock nacional explodia com Legião Urbana e Titãs, e São Paulo era o epicentro dessa revolução sonora. O Ira!, nascido no circuito underground da Pompéia e do Lira Paulistana, já tinha um pé na Vanguarda Paulista e outro no mainstream que a WEA prometia. “Vivendo e Não Aprendendo” chega num momento em que o país queria gritar, dançar e esquecer – e o disco entrega isso com uma trilha sonora perfeita pra quem curtia um show no Dama Xoc ou uma noitada no Madame Satã.
O Ira! era uma máquina movida a Nasi (voz e carisma de quem parece sempre estar brigando com o mundo) e Edgard Scandurra (guitarra e cérebro melódico que faz milagre com três acordes). Formada em 1981 na zona oeste de São Paulo, a banda tinha Ricardo Gaspa no baixo e André Jung na bateria nessa época – uma formação clássica que segurava as pontas enquanto Nasi e Scandurra jogavam faíscas um no outro. O quarteto era o som da rebeldia jovem que não queria saber de terno e gravata, mas sim de jaqueta de couro e um baseado mal enrolado.
O disco não mentiu em sua promessa de sucesso: vendeu cerca de 130 mil cópias, um feito respeitável pra época, quando o rock brazuca ainda disputava espaço com a MPB e os sertanejos nas vitrolas. “Envelheço na Cidade” virou hino instantâneo, tocando em rádios e abrindo portas pra banda no cenário nacional. A crítica adorou, o público abraçou, e o LP entrou na lista da Rolling Stone Brasil como um dos 100 melhores discos brasileiros (posição 73, pra ser exato). É o tipo de álbum que você encontra em sebo por aí e pensa: “Caramba, isso aqui já sobreviveu a mais festas que eu!”
As principais faixas são um passeio pela alma paulistana. “Envelheço na Cidade” é o carro-chefe, com Nasi cantando sobre o tempo que escorre entre os prédios da Avenida Ipiranga – um rock acelerado que cheira a gasolina e saudade. “Flores em Você” desacelera pra um romantismo torto, quase como um pedido de desculpas gritado na Rua Augusta depois de uma briga. “Dias de Luta” traz um riff matador de Scandurra e uma letra que parece escrita num guardanapo de bar na Vila Madalena, falando de resistência e amores que não vingam. São Paulo está em cada verso, com seu trânsito, seus bares e sua pressa que engole os incautos.
O disco quase teve um tom mais experimental – Pena Schmidt chegou a sugerir uns teclados à la new wave, mas o Ira! segurou o punk rock no peito. “Flores em Você” virou tema da novela “O Outro” (Globo, 1987), o que deu um empurrãozinho na popularidade, mas também irritou os puristas que achavam que o Ira! estava “se vendendo”. E tem mais: a capa, com os quatro em preto e branco, foi clicada por Rui Mendes num estúdio em Pinheiros, e dizem que Nasi quase brigou com o fotógrafo por causa da luz – típico dele! O relançamento em CD nos anos 90 trouxe uma mixagem mais limpa, mas os fãs juram que o vinil é onde o bicho pega de verdade.
Lista de Músicas:
01. “Envelheço na Cidade” – Edgard Scandurra
02. “Dias de Luta” – Edgard Scandurra
03. “Flores em Você” – Edgard Scandurra
04. “Casa de Papel” – Edgard Scandurra, Nasi
05. “Quero Sempre Mais” – Edgard Scandurra
06. “Gritos na Multidão” – Edgard Scandurra, Nasi
07. “Pobre Paulista” – Edgard Scandurra
08. “Vitrine Viva” – Edgard Scandurra
09. “Receita pra se Fazer um Herói” – Edgard Scandurra
10. “Vivendo e Não Aprendendo” – Edgard Scandurra, Nasi
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