Autor: Racionais MC’s
Ano de lançamento: 1997
Produtor: Racionais MC’s e Gertz Palma (coprodução)
Editora: Cosa Nostra
Bem-vindos ao inferno – ou melhor, ao disco que transformou o rap brasileiro em um megafone impossível de ignorar! “Sobrevivendo no Inferno”, lançado em dezembro de 1997 pelos Racionais MC’s, é aquele tipo de álbum que não pede licença pra entrar: ele arromba a porta com rimas afiadas e beats que parecem socos no estômago. Gravado com a vibe crua de quem viveu cada verso, esse trampo é uma obra-prima do hip-hop nacional, misturando funk, soul e uma dose generosa de revolta. Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay não vieram pra fazer cafuné – vieram pra contar verdades que o Brasil da época (e de hoje) preferia varrer pra debaixo do tapete.
O lance aqui é sobrevivência em letras garrafais: um retrato sem maquiagem da vida nas periferias, onde o racismo, a violência policial e a desigualdade são vizinhos de porta. É como se os Racionais pegassem um microfone e uma lanterna pra iluminar o que a elite fingia não ver – um “diário de guerra” em forma de música. O disco não é só protesto, é um grito de identidade, uma aula de história cantada por quem sentiu o peso do sistema na pele. E, olha, se você acha que rap é só barulho, esse álbum te prova que é poesia com calibre 12.
“Sobrevivendo no Inferno” é como tentar espremer um caminhão de ideias em uma latinha de refrigerante. São 12 faixas que vão de “Jorge da Capadócia”, um cover de Jorge Ben Jor que abre os trabalhos com um salve a Ogum, até “Fórmula Mágica da Paz”, um raro momento de esperança em meio ao caos. Pelo meio, tem “Diário de Um Detento”, que narra o Massacre do Carandiru com uma frieza de gelar a alma, e “Capítulo 4, Versículo 3”, um soco na cara do racismo institucional. É um disco pra ouvir de cabo a rabo, como um filme de Scorsese – mas com mais grave e menos ternos caros.
O neoliberalismo de FHC apertava o cinto dos pobres, e São Paulo era um caldeirão de violência e desigualdade. Os Racionais, direto do Capão Redondo, pegaram esse cenário e transformaram em arte. O Massacre do Carandiru, em 1992, ainda ecoava, e a polícia seguia como carrasco nas quebradas. Lançado pelo selo independente Cosa Nostra, criado pelo próprio grupo, o álbum foi um tapa na cara da indústria fonográfica – e um aceno pros manos e minas que viam suas vidas refletidas nas letras.
Os quatro mosqueteiros do rap: Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), o poeta da revolta com voz de trovão; Edi Rock (Edivaldo Pereira Alves), o narrador das ruas; Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), o cara das rimas que cortam como navalha; e KL Jay (Kleber Geraldo Lelis Simões), o mestre dos beats que sampleia o mundo com precisão cirúrgica. Formados em 1988 na zona sul de São Paulo, eles já tinham soltado petardos como “Holocausto Urbano” (1990), mas foi com “Sobrevivendo” que viraram lendas. São os porta-vozes de uma geração que não tinha voz – ou melhor, que gritava, mas ninguém ouvia até eles chegarem.
O disco vendeu mais de 1,5 milhão de cópias, um feito absurdo pra um trabalho independente num país onde o rap ainda era tratado como barulho de marginal. Em 2007, a Rolling Stone Brasil o colocou na 14ª posição dos 100 melhores discos brasileiros, e em 2018 ele virou leitura obrigatória pro vestibular da Unicamp – sim, o rap dos manos chegou na academia! O clipe de “Diário de Um Detento” levou dois prêmios na MTV, com votação tão massiva que a emissora teve que abrir linhas telefônicas pra incluir os fãs das periferias sem internet. É o som da quebrada que conquistou o Brasil – e o Papa Francisco, que ganhou um exemplar de Fernando Haddad em 2015.
As principais faixas são hinos com DNA paulistano. “Diário de Um Detento” (Mano Brown e Jocenir) é um relato brutal do Carandiru, escrito com base no diário de um ex-detento – é São Paulo em seu pior pesadelo, com a Casa de Detenção como símbolo do inferno. “Capítulo 4, Versículo 3” (Mano Brown) escancara o racismo nas ruas da cidade, com linhas como “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial” – um soco que ressoa da zona sul ao centro. “Periferia É Periferia” (Edi Rock) pinta as quebradas de SP como um mapa universal da luta, com referências a rolês e enquadros que qualquer morador do Capão Redondo reconhece na hora. É o som da metrópole em carne viva.
O disco quase virou tabu nas cadeias – Mano Brown já disse que “Diário” deixa o clima pesado demais pros presos. A capa, com uma cruz e um tom de Bíblia marginal, enganou quem achou que era um álbum gospel – a religiosidade aqui é de quem reza pra sobreviver, não pra salvar a alma. O lançamento oficial rolou no Ginásio do Corinthians, na zona leste, com 100 mil cópias já vendidas antes do show. E tem mais: em 2018, a Companhia das Letras transformou o álbum em livro, com fotos raras e um prefácio de Acauam Oliveira que chama os Racionais de “evangelho das ruas”. É um clássico que não envelhece – e que ainda faz o asfalto de São Paulo tremer.
Lista de Músicas:
01. “Jorge da Capadócia” – Jorge Ben Jor
02. “Genesis (Intro)” – Racionais MC’s
03. “Capítulo 4, Versículo 3” – Mano Brown
04. “Tô Ouvindo Alguém Me Chamar” – Mano Brown
05. “Rapaz Comum” – Edi Rock
06. “…” – Edi Rock
07. “Diário de Um Detento” – Mano Brown, Jocenir
08. “Periferia É Periferia” – Edi Rock
09. “Qual Mentira Vou Acreditar” – Edi Rock, Ice Blue
10. “Mágico de Oz” – Edi Rock
11. “Fórmula Mágica da Paz” – Mano Brown
12. “Salve” – Racionais MC’s
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