Arte e Cultura

Sessão das 10: o circo anárquico que abalou a ditadura com risadas e Rock

Autor: Sociedade da Grã-Ordem Kavernista (Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada)
Ano de lançamento: 1971
Produtor: Raul Seixas
Editora: Discos CBS

Imagine um picadeiro musical onde Raul Seixas, o maluco beleza em início de carreira, reúne Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada para montar um espetáculo de rock, samba e deboche que deixa a Ditadura Militar com cara de quem engoliu um disco voador. Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das 10, lançado em 1971, é essa palhaçada genial que mistura humor ácido, experimentalismo tropicalista e uma vontade danada de zoar tudo que é sagrado – da TV ao Carnaval. Gravado em menos de 15 dias nos estúdios da CBS no Rio, o álbum é um manifesto da contracultura que, por ironia, foi recolhido rapidinho pela gravadora, virando lenda antes mesmo de virar vinil empoeirado nos sebos.

O tema aqui é puro caos criativo com um dedo na cara da sociedade de consumo. Em plena era dos Anos de Chumbo, com o “milagre econômico” vendendo ilusões e a censura cortando as asas da arte, os kavernistas armam um circo sonoro pra rir da cara do ufanismo e da caretice. É como se eles dissessem: “Tá tudo uma zona, então bora fazer música pra bagunçar mais ainda!” As vinhetas nonsense entre as faixas – tipo descarga de privada e diálogos surreais – são o tempero que transforma o disco num coquetel Molotov de irreverência, bebendo de Frank Zappa e do Sgt. Pepper’s dos Beatles, mas com feijoada e cachaça no lugar de chá inglês.

O resumo é simples: o quarteto entra em cena com “Êta Vida”, uma fanfarra que já avisa que o show vai ser grande, e desfila 12 faixas que vão de chorinho a rock psicodélico, passando por samba e seresta. Raul e Sérgio lideram os vocais, enquanto Edy e Miriam brilham em momentos pontuais, como o hino boêmio “Sessão das 10” e o samba safado “Soul Tabaroa”. O disco termina com “Finale”, um adeus circense que deixa um gostinho de “o que foi isso que eu acabei de ouvir?”. Não vendeu quase nada na época – a CBS puxou o tapete em dois meses –, mas hoje é cult, um tesouro pra quem curte o lado mais maluco da MPB.

O contexto é o Brasil de 1971, sufocado pela ditadura e pela Jovem Guarda em fim de festa. Raul, então produtor da CBS, estava cansado de fazer baladinhas bregas pra Jerry Adriani e cia. Juntou os amigos Sérgio (um capixaba poeta), Edy (um baiano performático) e Miriam (a rainha da batucada na TV) pra criar algo que desafiasse o status quo. O resultado? Um álbum que a gravadora achou indigesto – dizem que um telegrama gringo perguntou “What is this?” antes de mandarem recolher tudo. Era o auge do Tropicalismo morrendo e da contracultura tentando respirar, e os kavernistas chegaram chutando o balde com um som que ninguém sabia se era genial ou maluquice pura.

Os autores são um time de desajustados adoráveis. Raul Seixas, o cabeça, já tinha tentado a sorte com Raulzito e os Panteras sem sucesso e usou seu cargo na CBS pra bancar essa aventura. Sérgio Sampaio, estreante no disco, trouxe letras melancólicas e irônicas que depois brilhariam em “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”. Edy Star, o único ainda vivo em 2025, era um artista plástico e cantor que conhecia Raul desde a Bahia. Miriam Batucada, a mais famosa na época por seus números na TV, fechou o quarteto com seu carisma sambista. Juntos, eles fizeram um disco que Raul produziu com músicos da pesada, como Renato Barros e Lafayette, num estúdio de oito canais que virou palco de bagunça organizada.

Nos números, o fiasco inicial virou ouro com o tempo. Lançado em 21 de julho de 1971, “Sessão das 10” mal aqueceu as prateleiras antes de sumir, mas reedições vieram em 1995 (CD quase artesanal pelo fã-clube do Raul), 2000 (Sony, sem remasterização) e 2010 (vinil pela Polysom). Hoje, um LP original vale uma pequena fortuna nos sebos – coisa de R$ 500 pra cima, dependendo do estado. A crítica da época torceu o nariz ou ignorou, mas nomes como Torquato Neto viram potencial de hit nas faixas. Em 2021, um show em São Paulo com Edy e novos artistas celebrou os 50 anos do disco, provando que o tempo fez justiça à ousadia kavernista.

Das músicas, “Êta Vida” (Raul e Sérgio) abre com fanfarras e ironiza o Rio, mas São Paulo aparece em lendas – dizem que uma harpa egípcia teria vindo da cidade pra um acorde (mentira desmentida por Edy). “Sessão das 10” (Edy) é uma seresta nostálgica que Raul regravou depois, e “Aos Trancos e Barrancos” (Raul) samba com malandragem carioca, mas o eco da urbanidade paulistana paira no imaginário da produção. “Eu Acho Graça” (Sérgio) debocha da alienação com um cowbell esperto, enquanto “Chorinho Inconsequente” (Miriam) é um delírio leve que São Paulo, terra de contrasts, poderia aplaudir. O disco não cita a cidade diretamente, mas seu espírito caótico dialoga com a metrópole que nunca dorme.

Curiosidades? Tem de monte! O boato de que porteiros foram chamados pra fazer coro é lorota, mas a capa com os quatro na frente do Cinema Império, no Rio, é real e icônica. A gravação, feita às pressas, usou um regional de choro e até Lafayette no Hammond B-3, dando um charme sessentista. Edy Star já riu contando que, após o fracasso, eles foram “queimar um fumo e dar risada do sermão da CBS”. O som da descarga no final do disco é o toque final de um deboche que, em 2025, ainda soa como um tapa na cara da caretice – e um convite pra entrar no circo da vida sem levar nada a sério demais.

Lista de Músicas:

01. “Êta Vida” – Raul Seixas e Sérgio Sampaio
02. “Sessão das 10” – Edy Star
03. “Eu Vou Botar pra Ferver” – Raul Seixas
04. “Eu Acho Graça” – Sérgio Sampaio
05. “Chorinho Inconsequente” – Miriam Batucada
06. “Quero Ir” – Raul Seixas e Sérgio Sampaio
07. “Soul Tabaroa” – Miriam Batucada
08. “Todo Mundo Está Feliz” – Sérgio Sampaio
09. “Aos Trancos e Barrancos” – Raul Seixas
10. “Eu Não Quero Dizer Nada” – Edy Star
11. “Dr. Paxeco” – Raul Seixas
12. “Finale” – Raul Seixas e Sérgio Sampaio