Autor: Walter Franco
Ano de Lançamento: 1975
Produtor: Walter Franco
Editora: Continental
Prepare-se para uma viagem sonora que é mais louca do que um trânsito na Marginal Tietê em dia de chuva: “Revolver”, o segundo álbum de Walter Franco, lançado em 1975, é uma obra que desafia qualquer tentativa de rotulação. Esse disco é um caldeirão de MPB, art rock e experimentalismo, com pitadas de psicodelia e poesia concreta, que só poderia ter saído da mente inquieta de um paulistano como Franco. Em 14 faixas, ele nos leva por um labirinto de sons e ideias, como se estivesse nos guiando por uma São Paulo alucinada, cheia de contrastes e surpresas.
Walter Franco, nascido em São Paulo em 6 de janeiro de 1945, já era um nome conhecido na cena underground brasileira quando “Revolver” chegou às prateleiras. Filho de um poeta, Cid Franco, que trocava cartas com gigantes como Carlos Drummond de Andrade, Walter cresceu imerso em arte. Antes de se jogar na música, ele passou pela Escola de Arte Dramática da USP, onde o teatro o ensinou a usar a voz como instrumento — algo que ele explora com maestria nesse disco. Considerado um precursor da Vanguarda Paulista, Franco nunca se encaixou em movimentos como a bossa nova ou o tropicalismo, mas sua influência é inegável em nomes como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. Ele faleceu em 2019, aos 74 anos, após um AVC, deixando um legado que ainda ecoa nos nichos mais alternativos da música brasileira.
O tema central de “Revolver” é a liberdade criativa levada ao extremo, com Franco brincando com sons, palavras e estruturas musicais como se fosse um cientista maluco em um laboratório sonoro. As letras, muitas vezes minimalistas e inspiradas pela poesia concreta, priorizam o som das palavras sobre seu significado, criando uma experiência que é mais sensorial do que racional. É como se ele estivesse pintando um quadro abstrato da São Paulo dos anos 70 — caótica, vibrante e cheia de contradições —, com suas faixas refletindo a energia de uma cidade que nunca para de se reinventar.
O álbum abre com “Feito Gente”, uma faixa que mistura a energia da Jovem Guarda com um vocal que parece gritar a ressaca de uma noite na Augusta. Aqui, Franco canta “Feito água/Feito vinho/Eu te amei/Como pude”, com uma guitarra nervosa de Diógenes Burani Digrado que dá o tom de decadência sentimental. Já “Partir do Alto/Animal Sentimental” é um destaque com sua percussão aberta, perfeita para um break de hip-hop, enquanto “Nothing” flerta com o jazz e o fusion, trazendo pianos de Emílio Carrera e uma letra que ironiza o tédio (“nada pra fazer hoje”). A faixa-título, “Revolver”, é um jogo hipnótico de palavras — “Lembrar de esquecer/Esquecer de lembrar” —, com sintetizadores que parecem te puxar para um transe, como se você estivesse perdido no Viaduto do Chá em um dia de garoa.
São Paulo está impregnada no DNA de “Revolver”. Franco, um filho legítimo da cidade, captura a essência da metrópole em suas composições, desde a melancolia urbana de “Cena Maravilhosa”, que evoca uma contemplação lisérgica digna de um fim de tarde no Ibirapuera, até a urgência de “Bumbo do Mundo”, que soa como o pulsar incessante da Avenida Paulista. A cidade, com sua mistura de concreto e poesia, é quase um personagem invisível no disco, refletindo a inquietação de um artista que cresceu em meio a esse caos criativo.
Podemos dizer que “Revolver” é um disco que não se entrega fácil — e é exatamente isso que o torna genial. A complexidade dos arranjos, assinados por Rodolpho Grani Júnior, e a ousadia de Franco em misturar rock, MPB e elementos indianos (como em “Cena Maravilhosa”, que remete a Ravi Shankar) mostram um artista à frente de seu tempo. Comparado a Brian Eno por alguns, Franco é, na verdade, único: suas faixas mais roqueiras, como “Arte e Manha”, não têm equivalente no exterior, e sua brasilidade é inconfundível. A nota que o disco recebe em alguns sites, como o Rate Your Music (onde é o 248º melhor de 1975), é injusta — esse álbum merece mais amor!
“Revolver” não tem nenhuma relação com o disco homônimo dos Beatles, apesar de ambos marcarem transições em seus respectivos contextos. A capa original do LP, com a palavra “sim” em braile na contracapa, é um toque de excentricidade que reflete a personalidade de Franco. O disco foi relançado em vinil pela Polysom na série “Clássicos em Vinil”, e a faixa “Feito Gente” apareceu em 2017 na trilha sonora da supersérie *Os Dias Eram Assim*, da TV Globo. Além disso, “Revolver” foi listado como o 50º melhor álbum brasileiro pela Rolling Stone Brasil, um reconhecimento merecido para uma obra tão inovadora.
“Revolver” é um disco que te desafia a ouvir com os ouvidos e o coração abertos, como se estivesse caminhando por São Paulo em um dia de sol e caos. Walter Franco nos deu um presente que, quase 50 anos depois, ainda soa fresco e provocador. Se você nunca ouviu, pegue seu fone, aperte o play e prepare-se para explodir a cabeça — no melhor sentido possível!
Faixas:
01. Feito Gente – Walter Franco
02. Eternamente – Walter Franco
03. Mamãe D’Água – Walter Franco
04. Partir do Alto/Animal Sentimental – Walter Franco
05. Um Pensamento – Walter Franco
06. Toque Frágil – Walter Franco
07. Nothing – Walter Franco
08. Arte e Manha – Walter Franco
09. Apesar de Tudo é Muito Leve – Walter Franco
10. Cachorro Babucho – Walter Franco
11. Bumbo do Mundo – Walter Franco
12. Pirâmides – Walter Franco
13. Cena Maravilhosa – Walter Franco
14. Revolver – Walter Franco
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