Autor: Os Mutantes
Ano de lançamento: 1968
Produtor: Manoel Barenbein
Editora: Polydor
Bem-vindos ao circo psicodélico de Os Mutantes, o álbum de estreia da banda homônima que, em 1968, jogou uma bomba de purpurina e fuzz na música brasileira. Formado por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, o trio de São Paulo não apenas abraçou o movimento tropicalista, mas o transformou em um parque de diversões sonoro, misturando samba, rock psicodélico e uma pitada de deboche. É como se os Beatles tivessem tomado um porre de cachaça e decidido fazer um disco com Caetano Veloso e Gilberto Gil — e, olha, isso não está tão longe da verdade. Este é um álbum que ri na cara da ditadura militar e convida todo mundo pra dançar no meio do caos.
O tema central de Os Mutantes é a rebelião cultural disfarçada de festa. Em um Brasil sob o jugo da ditadura, o disco usa a irreverência como arma, criticando a burguesia e o conformismo com um sorriso sarcástico. A Tropicália, movimento que os Mutantes ajudaram a definir, era uma resposta à opressão, misturando o tradicional com o moderno, o local com o global. Aqui, o trio pega influências gringas — do psicodelismo anglo-americano ao pop francês — e as joga no liquidificador com ritmos brasileiros, criando um som que é ao mesmo tempo um protesto e uma celebração. É um grito de liberdade que vem com uma piscadinha marota.
Você acorda com flashes de cores, sons e uma leve sensação de que algo genial aconteceu. São 11 faixas que vão de hinos tropicalistas como “Panis et Circenses” a covers inusitadas como “Tempo no Tempo” (uma versão de “Once Was a Time I Thought”, do The Mamas & The Papas). Há espaço para o samba psicodélico de “Bat Macumba” e até para um flerte com a bossa nova em “Adeus Maria Fulô”. Tudo isso com arranjos de Rogério Duprat, que parecem saídos de um circo intergaláctico, e efeitos caseiros que vão de latas de spray a sons de vento — sim, eles eram desses.
Lançado em 1968, o álbum chega em um momento de tensão no Brasil: a ditadura militar estava a todo vapor, e a Tropicália era uma resposta direta a essa repressão. Os Mutantes, ao lado de Gil e Veloso, estavam na linha de frente desse movimento, que misturava arte e política com um toque de provocação. O disco saiu meses antes do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que endureceu ainda mais o regime, e pouco depois de Os Mutantes acompanharem Gil no Festival de Música Popular Brasileira de 1967, onde “Domingo no Parque” levou o segundo lugar. Era um Brasil que fervia — e este álbum é a trilha sonora dessa efervescência.
Os Mutantes, ou melhor, os “mutantes” por trás do som, são um trio de jovens prodígios de São Paulo. Arnaldo Baptista (baixo, teclados e vocais) e Sérgio Dias Baptista (guitarra e vocais) são irmãos de uma família artística — o pai era poeta, a mãe pianista. Rita Lee (vocais e percussão), a rainha do rock brasileiro, completava o time com sua voz doce e atitude punk. Formada em 1966, a banda começou como Six Sided Rockers e só ganhou o nome “Os Mutantes” às vésperas de uma apresentação na TV Record, batizada por Ronnie Von. O irmão dos Baptista, Cláudio César, também merece menção: ele construiu instrumentos e efeitos caseiros, como a lendária Guitarra de Ouro de Sérgio.
O disco tem 11 faixas, todas gravadas em 1968 pela Polydor, com arranjos de Rogério Duprat e produção de Manoel Barenbein. Não há dados exatos de vendas da época, mas sabe-se que o álbum vendeu menos de 10 mil cópias inicialmente, segundo registros históricos. Décadas depois, ele foi relançado em 1999 e 2006, e hoje é aclamado mundialmente: está na 9ª posição da lista dos 100 melhores álbuns brasileiros da Rolling Stone Brasil e na 12ª da lista dos “50 Álbuns Mais Foras da Curva” da revista Mojo. As principais referências a São Paulo aparecem de forma indireta, como em “Hey Boy”, que debocha dos playboys da Rua Augusta, point famoso da cidade na época.
Analisando as faixas principais, “Panis et Circenses” (de Gil e Veloso) é o cartão de visitas do disco: uma crítica à complacência da classe média, embalada por uma melodia que parece um desfile militar psicodélico. “A Minha Menina”, de Jorge Ben, é um hit ensolarado com guitarras fuzz que fazem você querer dançar na Avenida Paulista. “Bat Macumba” (de Gil e Veloso) mistura samba e efeitos sonoros que parecem saídos de um ritual de macumba no centro de São Paulo — é hipnótico e caótico na medida certa. Já “Le Premier Bonheur du Jour”, cover de Françoise Hardy, traz Rita Lee cantando em francês com uma doçura que derrete corações, mas com um toque de spray de inseticida (sim, você leu certo).
Os Mutantes usavam instrumentos caseiros, como a Guitarra de Ouro e efeitos feitos com latas de spray, porque o Brasil dos anos 60 não tinha acesso fácil a equipamentos gringos. Outra informação interessante é que a mãe dos irmãos Baptista, Clarisse Leite, toca piano em “Senhor F”, dando um toque de classe ao caos. E tem mais: o álbum foi gravado enquanto o trio ainda era adolescente — Arnaldo tinha 20 anos, Sérgio 18 e Rita 21. Meio século depois, Os Mutantes segue como um OVNI na música brasileira, um disco que nos lembra que, em tempos sombrios, a melhor resistência é dançar com o diabo — e rir na cara dele.
Faixas:
01. Panis et Circenses (Gilberto Gil, Caetano Veloso)
02. A Minha Menina (Jorge Ben)
03. O Relógio (Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias)
04. Adeus Maria Fulô (Sivuca, Humberto Teixeira)
05. Baby (Caetano Veloso)
06. Senhor F (Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias)
07. Bat Macumba (Gilberto Gil, Caetano Veloso)
08. Le Premier Bonheur du Jour (Jean Renard, Frank Gérald)
09. Trem Fantasma (Caetano Veloso, Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias)
10. Tempo no Tempo (Once Was a Time I Thought) (John Phillips, tradução de Os Mutantes)
11. Ave Gengis Khan (Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias)
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