Arte e Cultura

O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias: Um Olhar Infantil sobre a Ditadura

Ano de lançamento: 2006
Elenco: Michel Joelsas, Germano Haiut, Daniela Piepszyk, Paulo Autran, Simone Spoladore, Caio Blat
Produtor: Caio Gullane, Fabiano Gullane, Cao Hamburger
Diretor: Cao Hamburger
Lançamento: Gullane Filmes, Caos Produções Cinematográficas, Miravista, Globo Filmes
País de origem: Brasil

“O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” é um drama brasileiro lançado em 2006, dirigido por Cao Hamburger, que oferece uma perspectiva única sobre a ditadura militar no Brasil. Ambientado em 1970, durante a Copa do Mundo, o filme narra a história de Mauro, um menino de 12 anos interpretado por Michel Joelsas, cuja vida muda drasticamente quando seus pais, perseguidos pelo regime, o deixam com o avô em São Paulo sob o pretexto de “sair de férias”. A trama se desenrola no bairro do Bom Retiro, um caldeirão cultural de imigrantes, onde Mauro precisa se adaptar a uma nova realidade após a morte inesperada de seu avô, ficando aos cuidados de Shlomo, um judeu idoso e solitário vivido por Germano Haiut.

O tema central do filme é a perda da inocência e o amadurecimento forçado em meio a um contexto de repressão política, visto pelos olhos de uma criança. Diferente de outras obras sobre a ditadura que focam na violência explícita, aqui a narrativa opta por uma abordagem sutil, usando o futebol e a comunidade como fios condutores para explorar a solidão e a esperança de Mauro. A Copa de 1970, que culminou no tricampeonato brasileiro, serve como pano de fundo simbólico, contrastando a euforia coletiva com o drama pessoal do protagonista, cujos pais estão desaparecidos por motivos que ele não compreende plenamente.

O resumo da trama começa com Mauro sendo levado de Belo Horizonte para São Paulo por seus pais, Bia (Simone Spoladore) e Daniel (Eduardo Moreira), ativistas políticos em fuga. Após a morte súbita do avô Mótel (Paulo Autran), o garoto é acolhido por Shlomo, e a história segue seu processo de adaptação ao Bom Retiro, onde faz amigos, como Hanna (Daniela Piepszyk), e acompanha os jogos da seleção brasileira. A ausência de notícias dos pais e os subtextos sobre a repressão criam uma tensão crescente, mas o filme termina em tom agridoce, com Mauro encontrando um senso de pertencimento na comunidade, ainda que sem respostas definitivas sobre seu futuro.

A análise crítica destaca a habilidade de Cao Hamburger em equilibrar leveza e melancolia. A escolha de contar a história sob a perspectiva de Mauro permite uma visão fresca e desprovida de julgamentos adultos, o que torna os horrores da ditadura ainda mais pungentes por serem apenas sugeridos. A fotografia de Adriano Goldman, com tons de azul e verde, reforça a intimidade e o isolamento do protagonista, enquanto a edição de Daniel Rezende dá fluidez às transições entre o drama pessoal e os eventos coletivos, como as partidas de futebol que unem o bairro.

O roteiro levou quatro anos para ser concluído, fruto de uma colaboração entre Hamburger, Adriana Falcão, Claudio Galperin, Anna Muylaert e Bráulio Mantovani. O filme é parcialmente autobiográfico: os pais de Hamburger, professores universitários, foram detidos pelo regime em 1970, deixando ele e seus irmãos com os avós. Outro fato interessante é que o título original, “Vida de Goleiro”, foi alterado por questões de mercado, mas a metáfora do goleiro – solitário e responsável – permeia a jornada de Mauro. A produção também pesquisou mais de mil crianças para escalar os jovens atores, garantindo autenticidade às atuações.

O filme foi amplamente premiado, conquistando 36 distinções em 18 festivais, incluindo o Prêmio do Público no Festival do Rio e uma menção honrosa na Mostra de São Paulo. Foi selecionado pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil no Oscar de 2008 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, superando expectativas que apontavam “Tropa de Elite” como favorito, mas não chegou aos finalistas. Em 2015, entrou na lista dos 100 melhores filmes brasileiros da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), consolidando seu status no cinema nacional.

A recepção crítica foi positiva, com 83% de aprovação no Rotten Tomatoes, baseada em 52 avaliações, e uma média de 7.1/10. Os elogios focam na sensibilidade da direção e na atuação de Michel Joelsas, que transmite a confusão e a resiliência de Mauro com naturalidade. Alguns críticos, porém, apontam que a relação entre Mauro e Shlomo poderia ser mais aprofundada, e a narrativa, por vezes episódica, nem sempre explora todo o potencial do contexto histórico.

“O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” é uma obra que transcende o gênero de filmes sobre ditadura ao priorizar o humano sobre o político. É uma história de superação e laços improváveis, contada com delicadeza e um olhar nostálgico que ressoa tanto em quem viveu aquela época quanto em novas gerações. Com sua mistura de drama, humor e um toque de futebol, o filme se firma como um retrato emocionante de um Brasil dividido, mas ainda capaz de encontrar calor nas pequenas comunidades.