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Freira brasileira é destituída de cargo na Itália por ser “bonita demais”

Aline Pereira Ghammachi, uma freira brasileira natural do Amapá, perdeu o cargo de madre-abadessa do Mosteiro San Giacomo di Veglia, na Itália, após denúncias de maus-tratos feitas por meio de uma carta anônima. A decisão, tomada logo após a morte do papa Francisco e a eleição do novo pontífice, Leão XIV, em abril de 2025, gerou uma crise no convento, com a saída de 11 das 22 freiras em apoio à ex-abadessa. Aline, que em 2018 se tornou a mais jovem regente de um convento italiano aos 33 anos, agora busca justiça no Vaticano e avalia recorrer à Justiça civil, alegando que as acusações são infundadas e motivadas por preconceitos.

Aline informou à mídia local que, “dois anos atrás, algumas freiras enviaram uma carta ao papa Francisco”, acusando-a de maus-tratos e outras “calúnias infundadas”. Inicialmente, as acusações foram arquivadas após depoimentos de outras freiras e intervenções, mas a situação mudou em 2024. “Nesse meio tempo, alguns equilíbrios mudaram e, na segunda-feira de Páscoa, fui dispensada”, lamentou Aline. A destituição ocorreu no mesmo dia da morte de Francisco, 21 de abril de 2025, quando uma nova abadessa, de 81 anos, assumiu o comando do mosteiro. A brasileira alega que não viu evidências de suas supostas falhas: “A decisão veio de repente e até agora não vi evidências de minhas deficiências ou falhas”.

Sob a liderança de Aline, o Mosteiro San Giacomo di Veglia, localizado perto de Veneza, abriu suas portas à comunidade, implementando projetos sociais como apoio a mulheres vítimas de violência, uma horta para pessoas com autismo e a produção de prosecco com uvas cultivadas no local. Formada em administração de empresas, Aline também atuou como tradutora de documentos sigilosos da Igreja e intérprete em eventos internacionais. Sua nomeação em 2018 marcou história, mas também atraiu comentários discriminatórios. Ela relatou que o frei Mauro Giuseppe Lepori, seu superior, dizia que ela era “bonita demais para ser abadessa, ou mesmo para ser freira”, em tom de piada, o que a expunha ao ridículo.

A denúncia anônima de 2023, que acusava Aline de maus-tratos, manipulação e má gestão do orçamento, desencadeou uma auditoria do Vaticano. Embora a primeira investigação tenha recomendado o arquivamento, uma nova visita apostólica em 2024, conduzida por uma representante que conversou com Aline apenas uma vez, concluiu que ela era “desequilibrada” e inspirava medo nas freiras. “Foi inaugurado um tratamento medieval, um clima de calúnias e acusações infundadas contra a irmã Aline que, por sua vez, é uma pessoa muito séria e escrupulosa e que nos últimos anos se tornou o ponto de referência para a comunidade”, defendeu a freira Maria Paola Dal Zotto ao jornal Gazzettino. A saída de Aline e de outras freiras evidencia tensões internas no mosteiro.

A brasileira atribui sua destituição a preconceitos relacionados à sua juventude, aparência e nacionalidade. “Aí mostra a questão sexista, machista. Porque uma pessoa jovem e bonita deve ser burra. Não pode ser inteligente, tem que ficar calada”, disse Aline ao jornal Gazzetino. Ela está recorrendo ao Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, a instância máxima do Vaticano, e considera uma ação civil, embora a Aliança Inter Monastérios tenha esclarecido: “A ex-abadessa tinha o direito de apelar contra o decreto, indo ao Dicastério. Agora, ela diz que prefere apresentar uma queixa civil, mas não está claro contra quem e por quais motivos, já que tudo foi feito de acordo com a lei da Igreja, que é a única autorizada a regular a vida monástica.”

O caso ganhou destaque na mídia italiana e brasileira, reacendendo debates sobre machismo e xenofobia na Igreja Católica. Após deixar o mosteiro em 28 de abril, Aline passou um período na casa de sua irmã em Milão e visitou o Vaticano durante o conclave para buscar apoio. As freiras que a apoiaram, algumas das quais fugiram sem documentos pessoais, vivem agora em uma villa, planejando continuar seu trabalho social. “Vamos ter que pedir a dispensa de votos, é uma exigência canônica. Mas queremos seguir com a vida de oração e de serviço. Amamos a Igreja. Vamos começar do zero, talvez em outra congregação”, declarou uma delas ao Pragmatismo Político. Aline expressa confiança no papa Leão XIV, um canonista, para julgar seu caso com base na lei: “Eu não estou pedindo nada mais do que a lei.” O Vaticano ainda não se pronunciou oficialmente.