Autor: Fellini
Ano de Lançamento: 1986
Produtor: Luiz Carlos Calanca, Thomas Pappon e Cadão Volpato
Editora: Baratos Afins
Prepare-se para uma viagem no tempo direto para a São Paulo dos anos 80, onde o concreto cinzento ganha vida com o som excêntrico da banda Fellini e seu segundo disco, Fellini Só Vive 2 Vezes. Lançado em 1986, este álbum é um marco do pós-punk brasileiro, misturando influências de bandas como The Stranglers e Durutti Column com uma pitada de samba rock e MPB. Gravado em um modesto estúdio caseiro de quatro canais na casa de Thomas Pappon, o disco captura a essência de uma São Paulo soturna e vibrante, com letras que parecem flutuar entre o absurdo e o poético, cortesia do vocalista Cadão Volpato.
A banda, formada em 1984 por Cadão Volpato (voz), Thomas Pappon (baixo e multi-instrumentos), Jair Marcos (guitarra) e Ricardo Salvagni (bateria), já tinha chamado atenção com o debut O Adeus de Fellini (1985). Mas em Só Vive 2 Vezes, a dupla dinâmica Volpato-Pappon (Jair e Ricardo não participaram da gravação por motivos pessoais) mergulha de cabeça em um experimentalismo lo-fi. O resultado? Um álbum que soa como se São Paulo tivesse ganhado asas e voado para uma constelação distante, misturando melancolia urbana com uma estranheza cósmica que só o Fellini sabe entregar.
O disco tem 11 faixas que passeiam por temas como solidão, espiritualidade e um certo desencanto com o cotidiano. “Alcatraz Song”, a abertura, é um grito de liberdade preso em uma cela de sons minimalistas, enquanto “Burros e Oceanos” (que até ganhou um clipe perdido no tempo) evoca um mar de sentimentos com sua melodia hipnótica. Já “Tudo Sobre Você” é pura poesia cósmica, com versos como “Eu digo paz ao meu irmão sol / Eu digo amor a minha irmã lua”, mostrando a habilidade de Volpato em transformar o banal em algo quase místico. A produção, feita em parceria com Luiz Carlos Calanca e mixada no estúdio Vice-Versa, tem um charme cru – parece que você está ouvindo o disco em um toca-fitas velho enquanto toma um café na esquina da Augusta.
São Paulo está por toda parte nesse álbum, não só nas referências geográficas, mas no clima que as músicas exalam. A cidade aparece como um personagem invisível, com sua atmosfera caótica e melancólica moldando faixas como “Mãe dos Gatos”, que parece narrar uma história de uma figura excêntrica que você encontraria em algum beco da Vila Madalena. “Domingo de Páscoa” traz uma nostalgia que remete a feriados preguiçosos na metrópole, com um toque de ironia que é a cara do Fellini. É como se a banda dissesse: “Olha só, São Paulo pode ser cinza, mas a gente pinta ela com as cores da nossa imaginação!”
As principais faixas merecem um mergulho mais profundo. “Burros e Oceanos” é um destaque com sua batida repetitiva e letra que mistura o absurdo com o sublime – uma metáfora perfeita para a vida na cidade grande, onde o trivial e o infinito se encontram. “Tudo Sobre Você” é o coração emocional do álbum, com uma melodia que embala e versos que parecem flutuar entre o céu e a terra, evocando uma São Paulo que é ao mesmo tempo real e onírica. Já “O Padre Hippie” (e sua continuação, “O Padre Hippie Voltou”) é um delírio bem-humorado que mostra o lado mais debochado do Fellini, como se eles rissem da própria seriedade do pós-punk.
Um detalhe curioso: o álbum foi gravado em janeiro de 1986 e mixado em março, mas a qualidade da gravação é tão caseira que, como disse um crítico do Miojo Indie, parece “um carro de pamonha com alto-falante estragado” – e isso é um elogio! A capa, ilustrada por Cadão Volpato, é outro charme à parte, com um estilo que reflete o espírito DIY da banda. E sabia que o Fellini inspirou até Chico Science e a Nação Zumbi? O uso de samples e experimentalismos aqui abriu portas para o movimento manguebeat anos depois, mostrando como esse disquinho despretensioso plantou sementes importantes na música brasileira.
Fellini Só Vive 2 Vezes é um convite para quem quer conhecer o lado mais alternativo da música brasileira dos anos 80. É um disco que não se leva muito a sério, mas que, ao mesmo tempo, carrega uma profundidade emocional que ressoa até hoje. O Fellini criou um som que é difícil de rotular – e é exatamente isso que o torna tão especial. Seja você um fã de pós-punk ou apenas um curioso, esse álbum é uma joia que merece ser (re)descoberta, de preferência enquanto você toma um café na Praça Roosevelt, sentindo o pulsar de São Paulo.
Faixas:
Alcatraz Song – Thomas Pappon
Mãe dos Gatos – Thomas Pappon
Todos os Dias da Semana – Thomas Pappon
Domingo de Páscoa – Thomas Pappon
Alguma Coisa Vai Dar – Thomas Pappon
Burros e Oceanos – Thomas Pappon
Socorro – Thomas Pappon
Tabu – Thomas Pappon
Tudo Sobre Você – Thomas Pappon
O Padre Hippie – Thomas Pappon
O Padre Hippie Voltou – Thomas Pappon
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