Autor: Golpe de Estado
Ano de lançamento: 1989
Produtor: Paulo Lima
Editora: Eldorado
Chegamos em 1989, e o Golpe de Estado entrega “Nem Polícia Nem Bandido”, um disco que é como um soco bem dado no queixo do hard rock brasileiro – com luva de pelica, mas sem perder o peso. Terceiro álbum da banda paulistana, esse trampo marca um salto na carreira dos caras, trocando os selos independentes pelo brilho da Eldorado e trazendo um som mais polido, mas ainda com aquela energia de bar da Pompéia lotado numa sexta-feira. É um grito de liberdade e confusão existencial, embalado por riffs que parecem feitos pra ecoar nas vielas de São Paulo enquanto o trânsito ronca na Radial Leste.
O tema aqui é uma dança no fio da navalha entre o certo e o errado – nem polícia, nem bandido, só o cara comum tentando sobreviver no caos da metrópole. As letras, cortesia do vocalista Catalau, flertam com a rebeldia sem cair no clichê do “maldito”, misturando reflexões sobre a vida urbana com um toque de ironia que faz você rir enquanto balança a cabeça. A produção de Paulo Lima dá uma limpada na bagunça dos discos anteriores, mas mantém o DNA do Golpe: guitarras que cortam como faca quente na manteiga e uma bateria que parece pronta pra derrubar um prédio em Campos Elíseos.
São nove faixas que pegam o ouvinte pelo pescoço e jogam num rolê por São Paulo, dos bares sujos aos sonhos quebrados. “Na Vida” abre o disco com um riff matador e um Catalau berrando sobre as escolhas que nos definem, enquanto “Paixão” desacelera pra um quase-romance de boteco. “Nem Polícia Nem Bandido”, a faixa-título, é o hino do álbum, um manifesto de quem não se encaixa nas caixinhas da sociedade. É como se o Golpe tivesse pego o espírito do fim dos anos 80 – ditadura caindo, inflação subindo – e transformado em um disco pra tocar alto no fusca caindo aos pedaços.
O Brasil saía da ditadura militar, São Paulo fervia com o rock nacional explodindo (Titãs, Legião Urbana, todos na área), e o Golpe de Estado aproveitou a onda. Formada em 1985 na selva de concreto paulistana, a banda já tinha dois discos na bagagem – o autointitulado de 86 e “Forçando a Barra” de 88 – e agora abria shows pra gigantes como Jethro Tull e Nazareth. “Nem Polícia Nem Bandido” chega como o momento em que o Golpe deixa de ser promessa e vira realidade, cuspindo na cara do mainstream com um som que ainda cheira a cerveja barata e fumaça de escapamento da Avenida Tiradentes.
Os “autores” são um quarteto de respeito: Catalau (voz rouca de quem já gritou muito em show pequeno), Hélcio Aguirra (guitarra que parece ter vida própria), Nelson Brito (baixo firme como o asfalto da 23 de Maio) e Paulo Zinner (bateria que bate como martelo em obra). Nascidos e criados em São Paulo, esses caras carregam a cidade no sangue – e no som. Catalau, o frontman, é o poeta da quebrada, enquanto Hélcio, que veio do Harppia, traz o veneno do heavy metal pro caldeirão. Juntos, eles fazem um hard rock que não pede licença pra entrar.
O disco não foi um blockbuster tipo “Cabeça Dinossauro”, mas vendeu o suficiente pra colocar o Golpe no mapa: cerca de 20 mil cópias, um número digno pra uma banda que abriu pra gringos como Deep Purple depois. A crítica caiu de amores, e o álbum pavimentou o caminho pro “Quarto Golpe” de 91. Relançado em 2012 pela Substancial Music em versão remasterizada, “Nem Polícia Nem Bandido” ganhou nova vida, provando que o som dos caras envelhece como vinho – ou como um fusca bem cuidado estacionado na Rua Augusta.
As faixas principais são um rolê por São Paulo em forma de música. “Na Vida” é o som do cara que acorda cedo na Vila Madalena, pega o busão lotado e sonha com algo maior – o riff de Hélcio é puro concreto sonoro. “Nem Polícia Nem Bandido” tem cheiro de centro velho, com Catalau cantando sobre a liberdade de quem anda na linha tênue entre o crime e a lei, como um malandro da Sé. “Paixão” desacelera e te leva pra um bar na Liberdade, com violões que parecem sussurrar histórias de amor perdido entre um copo e outro. A cidade tá em cada acorde, como se o Golpe tivesse gravado com o barulho da Radial ao fundo.
O disco quase teve uma faixa com participação dos Titãs – Arnaldo Antunes e Branco Mello, que já tinham colaborado em “Forçando a Barra”, quase pintaram aqui, mas a agenda não bateu. Dizem que Catalau escreveu “Nem Polícia Nem Bandido” numa noite de bebedeira na Lapa, inspirado por uma briga que viu na rua. E tem mais: o show de lançamento na extinta casa Dama Xoc, em Pinheiros, foi tão insano que a polícia (ironia, né?) quase acabou com a festa. Hélcio Aguirra, gênio das seis cordas, deixou o mundo em 2014, mas esse álbum segue como um pedaço eterno da São Paulo que não se rende.
Lista de Músicas:
01. “Na Vida” – Catalau, Hélcio Aguirra
02. “Janis” – Catalau, Hélcio Aguirra
03. “Não é Hora” – Catalau, Nelson Brito
04. “Filho de Deus” – Catalau, Hélcio Aguirra
05. “Ignoro” – Catalau, Paulo Zinner
06. “Velha Mistura” – Catalau, Hélcio Aguirra
07. “Paixão” – Catalau, Nelson Brito
08. “Nem Polícia Nem Bandido” – Catalau, Hélcio Aguirra
09. “As Aparências Enganam” – Catalau, Hélcio Aguirra
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