Arte e Cultura

Botinada: A Origem do Punk no Brasil – um registro visceral da rebelião

Ano de lançamento: 2006
Elenco: Clemente Nascimento, João Gordo, Kid Vinil, Redson Pozzi, Fábio Sampaio, entre outros
Produtor: Gastão Moreira
Diretor: Gastão Moreira
Produtora: ST2 Music
País de origem: Brasil

“Botinada: A Origem do Punk no Brasil” é um documentário lançado em 2006 que mergulha nas raízes do movimento punk no país, cobrindo o período entre o final dos anos 1970 e o início dos 1980. Dirigido e produzido pelo jornalista e ex-VJ da MTV Gastão Moreira, o filme é um retrato cru e enérgico de uma geração que encontrou no punk uma forma de resistência contra a ditadura militar e o conservadorismo da época. Com uma abordagem direta, o longa reúne depoimentos de figuras icônicas como Clemente (Inocentes), João Gordo (Ratos de Porão) e Redson (Cólera), além de imagens de arquivo que capturam a essência do movimento.

O tema central de “Botinada” é a rebelião e a busca por identidade em um contexto de repressão. O punk brasileiro, como mostrado no filme, não foi apenas uma importação do movimento britânico liderado por bandas como Sex Pistols, mas uma resposta local aos desafios sociais e políticos da época. A narrativa destaca como jovens de periferias e classes médias, armados com guitarras barulhentas e letras provocadoras, transformaram a frustração em arte, criando um legado que influenciaria gerações futuras.

O documentário traça a cronologia do punk no Brasil, começando com as primeiras bandas em São Paulo, como Restos de Nada e AI-5, até o auge do movimento na década de 1980, com festivais como o “O Começo do Fim do Mundo”, realizado em 1982 no SESC Pompéia. Gastão Moreira utiliza entrevistas, trechos de shows e recortes de jornais para ilustrar como o punk se consolidou em meio a um cenário de censura e violência policial, culminando em seu declínio gradual com a redemocratização e a diversificação musical.

Trata-se de um filme que, embora não seja tecnicamente sofisticado, compensa com autenticidade. A direção de Gastão Moreira reflete sua experiência na televisão, com um estilo dinâmico e acessível, mais próximo de um especial da MTV do que de um documentário tradicional de cinema. A montagem ágil e o uso de trilhas sonoras intensas — como “Pânico em SP” do Inocentes — criam uma imersão no caos e na energia do punk, mas alguns críticos apontam que a falta de aprofundamento em certas histórias deixa lacunas na narrativa.

Uma das curiosidades mais marcantes é o processo de produção: o filme levou quatro anos para ser concluído, envolvendo 77 entrevistas e mais de 200 horas de material bruto. Gastão, que já era uma figura conhecida na cena musical brasileira por programas como “Musikaos” na TV Cultura, usou sua rede de contatos para reunir um elenco de peso, incluindo nomes que raramente apareciam em documentários, como Kid Vinil, uma ponte entre o punk e a new wave. O título “Botinada” é uma referência direta à estética agressiva do movimento, evocando a imagem de botas pesadas em ação.

Outro aspecto interessante é o evento “O Começo do Fim do Mundo”, destacado no filme como um marco histórico. Organizado por Clemente e outros punks, o festival reuniu 20 bandas em dois dias e é considerado o primeiro grande encontro punk do Brasil, apesar dos confrontos com a polícia que marcaram sua realização. O documentário resgata imagens raras desse evento, que ajudam a contextualizar a hostilidade enfrentada pelos adeptos do movimento.

“Botinada” também oferece um olhar nostálgico, mas crítico, sobre o impacto do punk. Enquanto celebra a coragem e a criatividade daquela geração, o filme não ignora as contradições internas do movimento, como brigas entre gangues punks e a dificuldade de manter a relevância após o fim da ditadura. A recepção foi positiva entre os fãs do gênero, com nota 7.6 no IMDb, mas alguns apontam que o foco excessivo em São Paulo deixa de lado cenas importantes em outras cidades, como Brasília e Rio de Janeiro.

“Botinada: A Origem do Punk no Brasil” é mais do que um documentário — é um testemunho vivo de um período de efervescência cultural e política. Para os amantes da música e da história brasileira, o filme é uma janela para entender como o punk, com sua simplicidade e fúria, tornou-se uma voz de protesto em um país silenciado. Mesmo com suas limitações, ele cumpre o papel de preservar a memória de um movimento que, nas palavras de João Gordo, foi “uma porrada na cara da sociedade”.